Dizem que quanto mais você o faz, mais dependente daquilo se torna.
Eu não sei se isso faz sentido ou se é apenas mais uma desculpa do ser humano para continuar fazendo coisas viciantes, de todo modo, é a terceira vez que o faço e sem duvida farei outras tantas mais.
Ja devo ter narrado aqui em outros posts mas serei prolixo tanto quanto necessário para mostrar o quanto gosto deste lugar.
Quando adolescente eu vi na TV sobre a SRR e realmente me supreendi, pra mim é o lugar mais fantastico do Brasil no que diz respeito a estrada para andar de moto.
Prelúdio
Bem, eu aprendi andar de moto sozinho quando eu tinha pouco mais de 12 anos. Neste época eu trabalhava num posto de gasolina como lavador de carros e certa vez um amigo deixou uma Honda 50cc para lavar. Eu, teimoso e curioso que só, montei na motoquinha e rodei a cidade toda. Obviamente que tomei um esporro do dono do posto e do dono da moto. Ninguem se feriu e eu finalmente aprendi a pilotar.
Nesta epoca conheci o João Luiz, o cara era o mito da epoca. Gol GTI, Teneré, RD 350, Uno 1.5R, pensa num sujeito com todos os brinquedos da época.
Sempre aos sábados este amigo ia ao posto e me pedia : “Lixir, lava pra mim, depois leva la em casa”. Era exatamente o que eu queria, dirigir, pilotar.
Bem, esta história de infancia serviu para escrever como eu conheci o João. Fato que nos tornamos melhores amigos com o passar dos anos. O João, mesmo sendo 12 anos mais velho que eu, sempre me levava para os rolês – e eu tinha uns 14/15 anos – e assim foi, até a idade adulta. Fomos mais que amigos, fomos irmãos mesmo, a família do João praticamente me adotou.
Nós dividimos muita coisa em comum: Paixão por carros, por corrida, por motos, pelo Elvis Presley, por viagens. João me ensinou a dirigir caminhão, um 1113 amarelo e me fazia passar as marchas sem derrubar agua de um copo, diz ele que foi como um funcionário de seu pai o ensinou.
Quiz o destino que em idos de 2016/2017 – não sei precisamente – o João fora acometido com um cancer e esta doença foi levando meu amigo para cada vez mais longe de nosso caminho na estrada.
A SRR
Logo que comprei a primeira 883 eu fui a Jaboti e o João pode andar nela e falou: “Lixir, puta que pariu, que negócio mais legal, parabéns pelo seu esforço”. Este dia foi um ponto para marcar em minha vida, eu havia conseguido atingir um objetivo de adolescente, ter a “moto do elvis” – OK, não é a Herigate mas é uma HD.
Fui para a SRR com esta moto (veja aqui) e foi fantastico, além de doloroso, ja que a 883 não tem conforto nem para quebrar um tijolo.
Em 2018 eu comprei uma Street Glide, estava em estado de graça em ter um touring, queria viajar, voltar a SRR e assim o fiz. (Veja aqui), desta vez com a minha esposa na garupa.
Logo que voltei desta viagem, meses depois voltei à minha terra natal, Jaboti.
O João estava se recuperando de uma quimio e, mesmo assim, me chamou para um churrasco com a galera das antigas. Nós bebemos como se não houvesse amanhã e o João, chapado na cerveja e com lagrimas nos olhos disse:
“Lixir, vamos beber pra celebrar a vida pois ela é muito curta. Eu estou me recuperando do cancer, Nossa Senhora está me abençoando e ano que vem nós vamos para essa Serra do Rio do Rastro, vou alugar uma moto e vamos Eu e a minha esposa, você e sua”.
O tempo passou rápido demais. O cancer, esta doença implacável, ela foi mais forte que todas as correntes de boas energias e orações que pairaram sobre o João.
Em setembro de 2021 eu fui visitar meu amigo, la, em seu leito de sofrimento, conversamos por mais de 2 horas, o João, num esforço tremendo e ja com uma sonda nasal, fazia força para trocar algumas palavras comigo. Falamos, relembramos, revivemos, planejamos feitos que nesta vida sabíamos que não cumpriríamos mas mesmo assim o fizemos.
E ai falamos de nossa viagem a SRR e o João lembrou:
Deveriamos ter feito nossa viagem, mas eu vou com você sempre que você for.
O cancer levou meu amigo uma semana antes de seu aniverário de 51 anos.
Eu levei meu amigo comigo para SRR, no bolso esquerdo da minha jaqueta, o mais proximo possivel do meu coração, este mesmo coração que, por razões do destino, acolhe tão poucas e seletas pessoas.
Vá em paz, meu amigo e obrigado por fazer da minha pesada adolescencia um lugar mais calmo.
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